sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Tema: Janeiro

Voltar às origens

As coisas estão a mudar. É cada vez mais claro que a posição e a influência pública da Igreja no mundo ocidental estão a mudar. Basta vermos como as coisas eram no tempo dos nossos avós e como estão a ficar agora. Mais concretamente em Portugal, é muito fácil ver como, quase a cada dia, surgem oposições e mesmo ataques claros à Igreja Católica: de uma sociedade que era mais ou menos homogénea e tradicionalmente católica, vemos hoje em dia uma sociedade fragmentada que reage quase alergicamente ao que a Igreja propõe ao mundo.

Isto leva-nos a pensar em várias coisas. Primeiro: é verdade que com a separação da Igreja e do Estado – bem ou mal conduzida no passado – a Igreja teve de se habituar a uma nova forma de agir. E é muito claro no ensinamento da Igreja de há muitos anos para cá os benefícios e a necessidade desta separação. A Igreja tem um lugar e um domínio específico que não compete ao Estado ter, e vice-versa. A Igreja não deve interferir directamente no governo ou política de um país, mas deve ser exigido também ao Estado a liberdade religiosa própria de um Estado laico que promova o bem-estar dos seus cidadãos. E é importante reconhecermos que uma componente essencial de bem-estar dos cidadãos é o bem-estar espiritual, e não apenas material. Um Estado deve ser laico e não laicista, ou seja, não deve confessar uma determinada religião, mas não pode asfixiar o direito à religião. E isto acontece muitas vezes, infelizmente, quando se quer afastar tudo o que são expressões religiosas para o domínio do privado. É um golpe muito inteligente por parte de quem quer combater as religiões: querer abafar a vivência da religião para algo apenas individual. Mas todos sabemos que a vivencia do cristianismo tem muito de público, uma vez que só se vive o amor a Deus no amor ao próximo. Os cristãos não são apenas cristãos dentro de casa, só para si! São cristãos na Missa, são cristãos em obras de caridade, são cristãos quando fazem procissões, peregrinações, festas ou o que seja.

Por outro lado, se no passado em Portugal tínhamos uma sociedade tradicionalmente católica, hoje em dia, devido a uma separação da Igreja e Estado e a uma abertura a outras religiões (e seitas) vemos uma sociedade fragmentada, que de certa maneira perdeu a identidade. Mas nem tudo é mau. Hoje em dia a adesão à Igreja Católica é feita com novo vigor! Se antigamente muitos podiam dizer que só havia muitos católicos porque eram quase obrigados, no presente, só é católico quem quer! E com as crescentes dificuldades e ataques que a Igreja sofre, realmente só é católico quem quer fazer disso um projecto de vida verdadeiro, consciente das dificuldades. Se alguém quer ter uma “vidinha” boa e relaxada, sem grandes preocupações nem trabalho, então esse alguém não vai escolher ser católico!

Cada época tem dificuldades e possibilidades, cada época é única e o Cristianismo é sempre uma proposta de vida para todos os homens, em qualquer lugar. Por isso também hoje, no nosso contexto, somos chamados a ser cristãos e a anunciar esta boa nova. O que pode mudar é a forma de o fazer.

É cada vez mais comum o sentimento de que a Igreja deve voltar às origens. Também porque a Igreja, no mundo ocidental, ameaça tornar-se mais pequena e com perda de influência na proposta que faz ao mundo. Não que a proposta não seja boa – é, como sempre, proposta de salvação – mas porque muitas pessoas não querem e não conseguem estar abertas a estas propostas, devido à confusão geral e à falta de verdade com que o ser humano hoje em dia se depara. Por isso surge esta nova maneira de viver o cristianismo, que nos parece muito interessante: voltar às origens, nos primeiros tempos, em que os cristãos eram algo novo, algo que espantava as pessoas.

É preciso fazer um grande esforço de imaginação, tentar ir logo aos primeiros séculos da Igreja. Sem toda a estrutura que temos hoje, sem os sacramentos assim definidos, sem toda a teologia que hoje temos a graça de ter. E claro que não vamos abdicar disso, mas o voltar às origens prende-se mais com a maneira de agir dos cristãos no mundo. Para isso vale a pena ler um documento que data logo do século II, chamado “Carta a Diogneto”. Esta carta apresenta de forma impressionante o que são os cristãos (lembrem-se que nessa altura o cristianismo era recém-nascido, poucos sabiam o que era e quem ouvia falar deles, pensava que eram uma seita vinda do judaísmo). Em poucas páginas resume aquilo que era (e deve ser hoje) a acção dos cristãos, e fica-nos a ideia de que marcavam pela diferença. Estranhamente eram como as outras pessoas, mas distinguiam-se dos demais pelo seu testemunho. Isto faz-nos pensar um bocado no testemunho que damos. Será que alguma pessoa que me conheça, ainda que mal, percebe que eu sou cristão? Ou isso é um pormenor na minha vida?

Diz-nos a carta que «Os cristãos são no mundo, aquilo que a alma é para o corpo. A alma está em todos os membros do corpo e os cristãos em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, não é, contudo, do corpo; também os cristãos, se habitam no mundo, não são do mundo (…) A carne odeia a alma, e, apesar de não a ter ofendido em nada, faz-lhe guerra, só porque se lhe opõe a que se entregue aos prazeres; da mesma forma, o mundo odeia os cristãos que não lhe fazem nenhum mal, porque se opõem aos seus prazeres. A alma ama a carne, que a odeia, e os seus membros: também os cristãos amam os que os odeiam».

Este testemunho não deixa de nos impressionar e fazer pensar o que eram os cristãos no princípio e o que são agora. Não nos faltará este vigor original, que experimentam porventura muitos cristãos hoje em dia em vários lugares onde são perseguidos? Será que viver nesta sociedade em que não precisámos de lutar por nada do que era essencial nos amoleceu? De qualquer maneira, é chegada a hora de voltar às origens e viver o cristianismo como ele é – de uma maneira radical e empenhada, certos que que o Senhor está connosco e nos guia pelo caminho da verdade.

Para a discussão sobre o tema

Depois de ler este tema, como olho para o cristianismo? Reconheço as dificuldades e as oportunidades que o tempo presente me oferece?

Ao olhar para o testemunho das primeiras comunidades de cristãos, consigo perceber o que é que é essencial no cristianismo? Qual o valor que tem o testemunho de vida dos cristãos no meio do mundo? Penso nessa vertente evangelizadora, ou quando penso na Igreja só olho para dentro e não me lembro da sua vocação missionária?

Para mim, ser católico é uma graça e uma alegria, ou apenas um acaso? Tenho vergonha da Igreja, ou encho-me de alegria por ser membro dela? Acredito que, através da Igreja, Jesus Cristo quer – e pode – mudar o mundo?

Diz a Carta a Diogneto «Quando o reconheceres [o amor de Deus], de que alegria, pensas tu, serás possuído? Ou como amarás quem tanto te amou primeiro? Se o amares, serás imitador da sua bondade. E não te admires de que o homem se possa tornar imitador de Deus. Se quiser, pode».

Ponto de Esforço (algumas sugestões)

Ler a Carta a Diogneto como leitura espiritual. Ler devagar, meditando em cada parte, decorando alguma frase que mais me tocou.

Eu sou cristão: estou no mundo mas não sou do mundo. Por isso mostro, na minha escola ou em minha casa, que sou diferente dos outros. Ser diferente não é mau, e o cristão deve saber aceitar isso. Há coisas que não devo fazer, como copiar, deixar de fazer trabalhos, faltar a aulas. Como ponto de esforço vou-me aplicar na escola e mostrar aos outros que é possível ser-se normal sem ser desonesto.

Sou cristão: sou como a alma do corpo que é o mundo. Como tal, proponho-me a rezar pelo mundo. Faço uma lista de intenções (pelos pobres, os perseguidos, os que sofrem, os que estão sozinhos, os presos, as almas do Purgatório, etc) e rezo cada dia por todos os que precisam da minha oração. Se calhar, mais ninguém se lembrará deles.

Para ajudar à preparação da reunião e para ler no sentido de aprofundar o tema:

Carta a Diogneto, Colecção Philokalia, Lisboa,Editora Alcalá, 2001.

(Procurar partes na internet)

Passagens Bíblicas:

Rm 8,12-15

1Cor 4,12

2Cor 6,9-10

2Cor 10,3

Oração

Ler este excerto da Carta a Diogneto e depois de um tempo de meditação destacar algumas frases que mais me tocaram

São homens como todos os outros

"Os cristãos não se distinguem dos demais homens nem pelo território, nem pela língua que falam, nem pelo modo de vestir. Não se isolam em suas cidades, nem usam uma linguagem particular, nem levam um género de vida especial.

A sua doutrina não é conquista do génio irrequieto de homens curiosos, nem professam, como fazem alguns, um sistema filosófico humano. Moram em cidades gregas ou bárbaras (estrangeiras), como cabe a cada um por sorte e, adaptando-se às tradições locais quanto às roupas, à alimentação e a tudo o mais da vida, dão exemplo de um estilo próprio de vida social maravilhosa, que, segundo a confissão de todos, tem algo de incrível".

Moram na terra, mas são cidadãos do Céu

"Moram em sua pátria, mas como peregrinos. Como cidadãos, participam de todos os deveres, mas são tratados como estrangeiros. Qualquer terra estrangeira é uma pátria para eles e toda pátria é terra estrangeira. Mudam de lugar como todos e geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos. Têm a mesa em comum, não o leito. Vivem na carne, mas não segundo a carne (2Cor 10,3, Rm 8,12-15). Moram na terra e são regidos pelo céu. Obedecem às leis estabelecidas, mas superam-nas com a própria vida. Amam a todos e por todos são perseguidos. Não são reconhecidos mas são condenados. Dá-se-lhes a morte, e eles dela recebem a vida. São pobres, mas a muitos tornam ricos (2Cor 6,9-10). Nada possuem, mas tudo têm em abundância. São desprezados, mas encontram no desprezo a glória diante de Deus. Ultraja-se a sua honra e acrescenta-se testemunho à sua inocência. Insultados, abençoam (1Cor 4,12). Demonstram-se insolentes com eles, e eles tratam-nos com respeito. Fazem o bem e são punidos como malfeitores. E punidos, gozam, como se lhes dessem vida. Os judeus fazem-lhes guerra como raça estrangeira. Os Gregos perseguem-nos, mas aqueles que os odeiam não sabem dizer o motivo de seu ódio".

Imagem tema: Bom Pastor, Catacumba de Priscila (séc. III)

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